A sujeição da renda da terra ao capital
e o novo sentido da luta pela reforma agrária
MARTINS,
José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. As lutas sociais no campo
e seu lugar no processo político. 5º ed. Petrópolis: vozes, 1995, p. 151 – 177.
O que são as relações capitalistas de
produção
A
tendência do capital é a de tomar conta progressivamente de todos os ramos e
setores da produção, no campo e na cidade, na agricultura e na indústria. (p. 152)
Quando
falam expansão capitalismo no campo, as pessoas querem referir a duas coisas,
pelos menos combinadas entre si: de um lado, uma massa crescente de camponeses,
isto é, de lavradores autônomos cujas existências estão baseadas estritamente
no seu trabalho e no de sua família, estaria sendo expulsa da terra,
expropriada; de outro lado, em conseqüência, essa massa de lavradores estaria
se transformando em massa de proletários rurais, de trabalhadores sem terra.
(p. 152)
Entre
desiguais não há possibilidade de contrato, há dominação. Por isso, no
capitalismo, só é pessoa quem troca quem tem o que trocar e tem liberdade para
fazê-lo. (p. 153)
Nós
sabemos que só o trabalho cria valor, criar riqueza, e que esse valor se mede
pelo numero de horas de trabalho socialmente necessárias à produção da
mercadoria. A função do trabalho é a de recriar o trabalhador, fazer com que o
homem que trabalha reapareça como trabalhador do capital. Assim ele recria ao
mesmo tempo a sua liberdade e a sua sujeição. (P. 154)
Na
verdade isso é possível porque a desigualdade econômica entre o capitalismo e o
trabalhador só pode ocorrer com base na igualdade jurídica sob a qual eles se
defrontam. Para o trabalhador que só é proprietário da sua força de trabalho
que só lhe serve para troca-lá por algo que lhe permita sobreviver, como é o
caso do salário, concebido como equivalente daquilo que ele necessita. A troca
que faz com o patrão, trabalha por salário, é uma troca aparentemente igual. O
capitalista, porém, não seria capitalista, isto é, proprietário de capital, se
o seu envolvimento nessa relação social de troca produzisse como resultado
unicamente a riqueza que já possuía quando começou o seu relacionamento com o
trabalhador. (p. 155)
O
capitalismo é uma relação capitalista, está no fato de que essa relação é uma
relação de exploração baseada numa ilusão. O trabalhador não se vê como é, mas
como parece ser como igual e livre; não como o capital dependesse dele, do seu
trabalho, mas como se ele dependesse do capital. (p. 156)
É
isso que se quer dizer quando se fala em alienação do trabalhador na sociedade
capitalista. Ele não aparece como criador da riqueza, do capital, mas como
criatura desse mesmo capital. Não são as pessoas que relacionam entre si; são
as coisas que o fazem, na troca. Por isso é que as relações entre as pessoas
aparecem no capitalismo como se fossem relações entre coisas e as relações entre
as coisas, as mercadorias, é que surgem como se fossem relações sociais entre
as pessoas. (p. 157)
O
dinheiro só é capital e o seu proprietário só é capitalista quando aquele é
empregado na compra de instrumento e de matérias-primas por meio dos quais se
poderá explorar o trabalho de trabalhador, compra a força do trabalho para
promover a reprodução do capital. O capital é produto do trabalho não pago, da
conversão em capital do trabalho que exerce aquele que se materializou em
salário. (p. 158)
A contradição entre a terra
e o capital: a renda da terra
A
terra é um bem natural, finito, que não pode ser reproduzido, não pode ser
criado pelo trabalho. A terra é um instrumento de trabalho qualitativamente
diferente dos outros meios de produção. Quando alguém trabalha na terra, não é
para produzir a terra, mas para produzir fruto da terra. (p. 159 e 160) Como o
capital tudo transforma em mercadoria, também a terra passa por essa
transformação , adquire preço, pode ser comprada e vendida, pode ser alugada. A
licença para a exploração capitalista da terra depende, pois, de pagamento ao
seu proprietário. (p. 160 e 161)
O
pagamento da renda da terra representa, pois, uma irracionalidade para o
capital. A apropriação capitalista da terra permite justamente que o trabalho
que nela se dá, o trabalho agrícola, se torna subordinado ao capital. A terra
assim apropriada opera como se fosse capital, ela se torna equivalente de
capital. De fato, o que ela produz, do ponto de vista capitalista, é diferente
do que se produz o capital. Lucro, isto é, a parcela da mais valia, de riqueza
a mais, que o capitalista retém. (p. 162) Por isso, a renda capitalista da
terra não nasce na produção, mas sim na distribuição da mais valia. (p. 163)
Creio
que, com o que foi dito, podemos entender que a mais valia não é paga por
ninguém em particular porque ela é paga pelo conjunto da sociedade. (p. 164)
As diferenças entre a
concentração da propriedade e a do capital
Vimos
que as contradições entre terra e capital cria as condições histórica da
existência de duas classes antagônicas: os proprietários da terra e os
capitalistas. Ambos são proprietários privados de instrumento de produção,
separados dos trabalhadores que podem movimentá-lo, fazê-lo produzir. (p. 165)
Com
o passar do tempo, com o trabalho, a terra não se desgasta, ela melhora, ela
enriquece o proprietário. O capitalismo subtrai capital do processo social de
produção, imobiliza o seu capital, prende-o a terra. Terá que arrumar outros
capitais para a terra possa produzir. Se não se depuser, meramente se
convertendo de capitalista em proprietário de terra. (p. 167)
O
que temos aí é o capitalista revelando a sua face ocultada pela condição de
proprietário. (p. 168) É uma relação social no sentido que tem a relação social
no capitalismo, como expressão de um processo que envolve trocas, mediações,
contradições, articulações, conflitos, movimento, transformações. (p. 169)
Não
posso entendê-la se não vejo que a terra, através do proprietário, cobra no
capitalismo renda da sociedade inteira, renda que nem mesmo é produzida direta
e exclusivamente na sua terra. É uma parte do trabalho expropriado de todos os
trabalhadores dessa mesma sociedade. (p. 169)
O
proprietário da terra não é uma figura de fora do capitalismo, mas de dentro.
(p. 170)
Só
a reprodução é capitalista. Mesmo o crescimento deste capital não é produção,
mas reprodução capitalista ampliada. (p. 171)
A apropriação da renda da
terra pelo capital
A
contradição fundamental é que a produção da riqueza é socializada pelo capital,
é social, e a sua apropriação é privada: o burguês e o proprietário da terra se
apropriam dessa riqueza. A contradição entre ambos não é uma contradição da
terra, é uma contradição do capitalismo. (p. 172)
O
trabalhador se transforma num
trabalhador coletivo; cada individuo é parte desse trabalhador coletivo. Nesse
caso, trabalho deixa de estar formalmente subjugado pelo capital e passa a
estar realmente subjugado. (p. 174)
O
que essa relação nos indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da
sujeição da renda da terra ao capital. O capital tem se apropriado diretamente
de grandes propriedades ou promovido a sua formação em setores econômicos do
campo em que a renda da terra é alta, como no caso da cana, da soja e da
pecuária de corte. Onde a renda é baixa, como no caso dos setores de alimentos
de consumo interno generalizado, o capital não se torna proprietário da terra,
mas cria as condições para extrair o excedente econômico. (p. 175)
Onde
o capital não pode tornar-se proprietário real da terra para extrair juntos o
lucro e a renda, ele se assegura o direito de extrair a renda. (p. 176)
LUCIANO ULATOSKI